Fonte: arquivo pessoal(Province-Cote d'Azur, France)
Era uma manhã como qualquer outra no mês de fevereiro de 2008. Eu estava prestes a começar o terceiro ano da faculdade, empolgada para que o próximo ano chegasse o mais rápido possível. Naquela manhã, recebemos a ligação da minha madrinha dizendo que meu avô(o único que conheci) estava sendo internado no hospital. Ele já havia completado 90 anos e era o único da sua geração na família que ainda estava vivo.
Ele passou por poucas e boas nessas 9 décadas, desde um câncer no estômago(que foi curado sem que ele nem soubesse que um dia o teve) a outras dificuldades. Sua memória já não funcionava tão bem e mesmo indo todo final de semana visitá-lo, ele sempre comentava "o quanto eu tinha crescido" mesmo já tendo meus 19 anos e "quanto tempo fazia que eu tinha aparecido por lá" mesmo que eu tivesse ido na semana anterior. Ele contava muitos "causos" do passado e mesmo no seu pouco estudo, era um homem muito inteligente.
Quando recebemos aquela ligação, todos já sabíamos que ele não voltaria mais para casa. Ele estava fraco, seu corpo já não absorvia o que ele comia, ele não tomava mais banho sozinho e era de se ver que ele "estava só esperando a morte chegar". Como ele mesmo dizia, "se não morrer enquanto jovem, de velho não passa!"
Como ele tinha mais de 65 anos, uma lei obriga que um parente fique com ele no hospital durante todo o tempo.
Minha mãe foi fazer o seu turno no dia seguinte. Ela nos ligou em torno do meio dia para dizer que ele havia sofrido um AVC e que sua voz estava comprometida. Fomos levar almoço pra ela, mas não pudemos visitá-lo porque o horário de visitas era só a partir das 16h. Era sábado, voltamos pra casa e eu fiquei no computador como de habitude. Mas algo não me deixava em paz e eu resolvi que queria ir ao hospital visitá-lo. Pedi ao meu pai, que relutou. Meu pai é uma pessoa excepcional, mas é do tipo que não gosta de hospital, velórios, enterros... Ele não se sente bem de ver aquela pessoa que ele costumava ver cheia de vida, ali, prostrada numa cama de hospital. Ele prefere guardar as boas lembranças. E eu entendo e não o culpo.
Mesmo com a minha insistência, ele disse que não me levaria. Ele me deu a chave do carro e me disse para ir sozinha. Fazia pouco tempo que eu tinha tirado minha habilitação e tinham sido poucas as vezes que havia dirigido sozinha. O hospital era longe e eu não tinha certeza que sabia exatamente o caminho, além da minha falta de experiência no volante. Resolvi deixar de lado e tentei voltar ao computador. Mas aquele mesmo sentimento não me deixava em paz e me dizia para ir. E eu fui.
Chegando no hospital, me deparei com aquele homem que tinah em ensinado tantas coisas na vida, me segurou no colo no meu primeiro dia de vida, me ensinou a jogar cartas e tantas outras coisas, ali, deitado naquela cama de hospital com uma voz irreconhecível, com os olhos acinzentados e sem brilho. Ele sorriu e falou algo quando cheguei, mas sua voz estava muito comprometida e não podíamos entendê-lo. Era hora da sua janta e mesmo não sendo sua comida preferida, ele tomou um pouco da sopa que a enfermeira lhe deu na boca. Seus pés estavam meio arroxeados e ele tinha um triste adeus no seu olhar. Fiquei no quarto até depois da hora das visitas e ele não queria que eu fosse embora. Dei um abraço, um beijo e disse que voltaria no dia seguinte. No fundo, eu sabia que poderia não existir "o dia seguinte" para ele. Fui embora despedaçada.
Voltei para casa e estava em paz. Cada vez que o telefone tocava, o coração disparava pensando ser aquela má notícia que ninguém quer receber.
No dia seguinte, minha madrinha ligou falando que ele estava em coma, não abria mais os olhos, não falava mais e sua respiração estava fraquinha. Eles se reuníram, chamaram o padre para a extrema unção e a partir daí, ele poderia nos deixar a qualquer momento. Mas pareceia que ele não queria ir até ter "visto" todos os filhos.
Na tarde daquele dia, minha madrinha iria às 16h trocar de turno com uma prima que estava lá. Eu e minha mãe fomos visitá-lo também. Quando chegamos no quarto, a prima estava sentada num cadeira do lado dele. Ele estava pálido, a boca entreaberta. Eu olhava para ele enquanto elas conversavam e não via nenhum movimento de respiração. Dei uma olhada no aparelho que mede os batimentos cardíacos e ele não marcava nada. Eu sabia que ele estava morto mas não conseguia esboçar nenhuma reação até que minha mãe percebeu a minha reação e viu que ele havia morrido. "Morreu como um passarinho", como mamãe diz. Chamamos as enfermeiras, elas nos retiraram do quarto e eu experienciei uma das maiores dores que já senti. A dor que sentimos quando sabemos que agora, tudo que nos resta são as lembranças. E entre essas lembranças, eu tinha o alívio de ter feito aquilo que eu achava que deveria fazer. Eu superei meu medo e fiz o que deveria.
E o que quero dizer com todo esse post bíblia contando de um fato da minha vida que não interessa à muita gente? Nesse momento da minha vida, eu aprendi que devemos fazer tudo o que achamos que devemos fazer hoje, agora. Devemos demostrar nosso amor, carinho, respeito aqueles que julgamos importantes na nossa vida hoje, agora. Amanhã pode não mais existir e você nunca mais terá a oportunidade que teve hoje de demonstrar tudo o que você sentia. Ele se foi, mas mesmo nos seus últimos momentos, ele se foi sabendo o quanto eu o amava. Não desperdice as oportunidades que a vida lhe dá e diga às pessoas tudo o que você sente, mesmo que você ache que elas já saibam disso. Lembre-se que o dia é hoje, o momento é agora.